Uma porta após a outra, a história se
repete. Manchas vermelhas pelo corpo, coceira, febre, dores musculares e
nas articulações. Difícil achar uma casa no Bairro Industrial de
Aracaju que não tenha alguém com alguma combinação desses sintomas. Pode
ser dengue, zika ou chikungunya. Mas qual? Os sintomas são muito
parecidos, as pessoas nem sempre buscam atendimento médico e isso é um
problema para os cientistas que investigam a disseminação dos vírus
transmitidos pelo Aedes aegypti.
O pesquisador Paolo Zanotto, do
Instituto de Ciências Biomédicas da Universidade de São Paulo (ICB-USP),
não consegue esconder o espanto. “Estamos na boca do leão. Isso aqui é
uma sopa de vírus.”
O cenário é ainda mais preocupante do
que ele imaginava. Líder de uma equipe de pesquisadores paulistas que
foi a Sergipe colaborar com as equipes locais na investigação da
epidemia, Zanotto suspeita que os três vírus estejam circulando
simultaneamente na população, e essa combinação possa estar implicada no
desenvolvimento da microcefalia e outras más-formações congênitas.
Os casos mais preocupantes são os das
grávidas. Na última casa de uma rua sem saída está uma jovem de 21 anos,
Bárbara, grávida do primeiro filho. Sem tirar os olhos do smartphone,
ela conta que teve dois episódios de “virose” durante a gestação – no
quarto e no sexto mês. No primeiro, as manchas vermelhas coçavam tanto
que chegavam a formar feridas e ela precisou passar 15 dias de repouso,
com dores nos pés. Ela sabe que pode ter tido zika, mas prefere não
pensar muito a respeito. “Tem de ficar tranquila, senão a gente pira.”
Durante a conversa, uma equipe de
entomologia vasculha a casa em busca de mosquitos, e encontra uma fêmea
de Aedes aegypti, com a barriga cheia de sangue. É o que os cientistas
mais precisam para saber se há vírus circulando na população local de
mosquitos, e quais são esses vírus.
Todos os insetos capturados são levados
ao laboratório para serem identificados, congelados e enviados para
análise – incluindo os pernilongos, para ter certeza de que eles não
representam perigo. No dia seguinte, uma equipe ainda voltaria ao local
para coletar sangue, saliva e urina da jovem grávida.
Mistério
A proposta dos cientistas da USP e do
Instituto Butantan, apoiados pela Fundação de Amparo à Pesquisa do
Estado de São Paulo (Fapesp), é usar Sergipe como um laboratório para
entender o que está acontecendo com esses vírus.
O menor Estado da federação abriga uma
grande incógnita. Proporcionalmente ao tamanho de sua população (2,2
milhões), Sergipe tem o maior número de casos de microcefalia do País
(192); porém, nenhum caso confirmado de infecção por vírus zika. Desde
as primeiras notificações de microcefalia no Estado, em agosto, 260
amostras de sangue foram enviadas para análise no Instituto Evandro
Chagas, no Pará, das quais 128 já foram processadas, todas negativas
para o zika.
“Temos esse mistério para resolver”, diz
o bioquímico Cliomar Alves dos Santos, do Laboratório Central de Saúde
Pública (Lacen) de Aracaju, responsável pelo processamento das amostras
de sangue, saliva e urina que estão sendo colhidas da população. O
material, agora, é analisado no próprio Lacen, graças a uma nova máquina
de PCR enviada pelo Ministério da Saúde, que permite detectar e
identificar o material genético dos vírus. As amostras são testadas para
presença de zika, dengue e chikungunya, além de outras infecções virais
relacionadas a más-formações congênitas, como herpes, rubéola,
toxoplasmose e citomegalovírus.
Os cientistas acreditam ser só uma
questão de tempo e amostragem para confirmar a presença do zika no
Estado, mas querem investigar mais a fundo se ele é o único culpado pelo
surto de microcefalia. Há registros na literatura científica de que o
chikungunya também pode causar problemas na gestação, e ele já é
endêmico em Sergipe. É mais uma hipótese que precisa ser investigada. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.
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