O ar bucólico não é mais o mesmo de antes. Para muitos, não existe
mais. A área de 146 km² da Ilha de Itaparica, na Região Metropolitana de
Salvador (RMS), antes exclusiva de nativos e veranistas, atualmente
está tomada pelo medo, por três facções que disputam o controle do
tráfico de drogas na região.
Entre as ocorrências estão execuções, roubos e ameaças em uma região
formada pelos municípios de Vera Cruz — que registra 20 homicídios este
ano — e Itaparica, com um saldo de oito assassinatos. Em todo ano
passado, foram 30 homicídios em Vera Cruz e outros 10 em Itaparica,
dos 690 registrados em toda a RMS.
Em Vera Cruz, Sulemir Lima Estrela, o Mica, ligado à facção Caveira,
luta para não perder o território para o rival Adilson Santana Silva,
que detém bocas de fumo de Itaparica e integra o Bonde do Maluco (BDM).
Nessa guerra, Billy, da Katiara, atuante na região da praia de Tairu,
em
Vera Cruz, aproveita as baixas nos exércitos das outras duas facções
para ampliar seu domínio.
A última morte registrada na região foi de Felipe da Silva Santana
Luzia, 21 anos, no último domingo (24). Segundo a polícia, ele era um
dos soldados de Mica e foi morto após abrir fogo contra PMs. Mas na
disputa entre Caveira e BDM, Joelson Silva dos Santos, 19, Caíque de
Jesus Silva, 18, e seu irmão, Paulo Henrique, 14, foram executados em 11
de maio, em Vera Cruz, região cobiçada por Adilson, apontado como o
mandante das execuções.
Adílson: moradores expulsos
Uma das lideranças da BDM, Adilson Santana Silva controla o tráfico
na Gameleira, Bom Despacho, além das Urbis de Baixo e de Cima, mas sua
fortaleza é o bairro de Marcelino, que fica numa região de morros, atrás
do mercado Bompreço de Itaparica. “O local é bem vigiado. Quando a
gente passa, já tem olheiros avisando”, disse um agente do Serviço de
Investigação da 19ª Delegacia (Itaparica). Segundo ele, a segurança é
feita por homens armados até de metralhadoras. “Eles têm armas de grosso
calibre e de longa distância”, citou.
Ele conta que em outubro de 2013, junto com outro agente, tentou
prender Adilson no local. “Ele estava com mandado em aberto por tráfico e
homicídio. Estávamos numa mata quando ele atirou contra nós. O colega
foi atingido no rosto e socorrido pelo helicóptero da PM para Salvador”.
Um mês depois, Adilson se apresentou com um advogado na delegacia, e
foi preso. Encaminhado ao Presídio Salvador, cumpriu pena até o dia 4 de
dezembro de 2015, quando um juiz lhe concedeu um habeas corpus, segundo
a Secretaria estadual da Administração Penitenciária (Seap).
“Quando saiu, ele comandou pessoalmente quatro execuções. Mas
investigamos o envolvimento dele em pelo menos 30 homicídios, dos quais
alguns já viraram inquéritos”, afirma o investigador. Os demais casos
esbarram em falta de provas, principalmente testemunhais, porque
“raramente alguém tem a coragem de depor contra o traficante”, completa o
policial.
Adilson nasceu na Juerana, em Vera Cruz, e fez carreira no crime.
Quando menino, vendia drogas na beira da estrada. Aos 14 anos, já
participava de bondes – quando o grupo saía para fazer um ataque –, e um
ano depois já era uma das lideranças. “Quando o chefe do bando foi
morto por uma quadrilha, ele tinha 18 anos e tornou-se o patrão do
Marcelino”, contou o agente.
Segundo o delegado Lúcio Ubirecê, da 19ª Delegacia, as armas usadas
pela quadrilha de Adilson vêm de Salvador. “A facção deles é abastecida
por criminosos da Liberdade e São Caetano, por exemplo”. A quadrilha
também usa armas artesanais, oriundas de Feira de Santana. Em uma das
imagens divulgadas pela polícia, o traficante aparece com uma
submetralhadora improvisada. “Quem mais sofre com tudo isso é a
comunidade. Algumas pessoas são expulsas e suas casas transformadas em
ponto de venda de droga”, confirma o delegado.
Mica: R$ 5 mil para olheiros
Em Vera Cruz, Mica é tido pela polícia como um bandido extremamente
perigoso. “É frio e calculista. Conversando, ninguém dá nada por ele.
Mas, para mandar matar, é daqui pra ali”, informa o delegado Geovane
Paranhos, titular da 24ª Delegacia (Vera Cruz), que já prendeu Mica, há
quase um ano. “Saiu com autorização da Justiça”, lamentou. Segundo ele,
Mica tem “uns 20 homens de confiança, sem falar nos outros, do baixo
escalão, e olheiros”. Ao traficante, são atribuídos mais de 20
homicídios.
Mica comanda o tráfico na localidade do Alto do Riachinho, em Mar
Grande. Há dois meses, um rádio comunicador transmitiu o Alfa 11 —
código que indica quando há uma situação de risco de perigo a um
policial. O alerta levou uma guarnição da PM até uma ladeira estreita de
terra batida e cercada de matagal. Mas a viatura com quatro policiais
não seguiu em frente: deu ré sob uma saraivada de balas.
“O local era muito apertado. A viatura não tinha como manobrar”,
relatou um policial do Serviço de Investigação da 24ª Delegacia. Eram
cerca de 20 bandidos com metralhadoras que vigiavam a área. O Alfa 11
era para alertar sobre um policial que veraneava na casa de um amigo e
foi descoberto, mas conseguiu escapar do cerco da quadrilha.
Segundo o delegado Paranhos, Mica, atualmente do BDM, já foi parceiro
de Adilson. Os dois faziam parte da mesma facção, Caveira, que criou a
BDM para ser uma extensão, mas se desvinculou há um ano.
Em abril de 2014, numa briga entre integrantes da quadrilha, em
Marcelino, Mica atirou contra o desafeto, mas acertou Ana Paula França
dos Santos, namorada de Adilson. “Ela estaria grávida de três meses”,
contou o delegado.
A droga vendida por Mica é trazida do Sul da Bahia e de outros
estados. “Nosso setor de investigação apurou que já chegou carregamentos
de Goiânia. Em julho de 2015, prendemos uma jovem que chegou com um
quilo de cocaína numa mala. Ela veio de Porto Seguro de ônibus”.
Segundo Paranhos, o fluxo de drogas na região é intenso. “Apreendi um
garoto de 15 anos que disse que recebia R$ 50 por dia, R$ 10 de almoço e
folgava no domingo. Trabalhava das 7h às 19h, ele e mais sete. Das 19h
até 7h era outro grupo. Só com olheiros, Mica tem um custo mensal de uns
R$ 5 mil”, contou.
Billy: por fora
A região de Tairu é também área da 24ª Delegacia, em Vera Cruz. A
praia, próxima ao Recôncavo, sofre com a influência da facção Katiara,
de Nazaré das Farinhas. O gerente do grupo criminoso em Tairu, Billy,
assim como Mica, é procurado pela polícia.
“Aquela região anteriormente tinha um tráfico independente, mas a
Katiara vem se espalhando pelo Recôncavo e regiões vizinhas, como Tairu.
E vem a cada dia aumentando o número de homicídios. Temos o nome dele
associado a várias execuções na localidade”, pontuou o delegado
Paranhos.
O que se sabe é que Billy está tirando proveito da guerra de seus
rivais. “Enquanto se matam, ele está se espalhando. Soubemos que Caixa
Prego também já é domínio dele”, relatou um agente da 24ª Delegacia. O
exército do traficante é formado de adolescentes. “São jovens muito
pobres e que têm o mesmo desejo de outros garotos da idade: ter um bom
tênis, por exemplo, e acabam aliciados por Billy”, disse o policial.
As informações são de Bruno Wendel do Correio24Horas/Fotos: Mauro Akin Nassor
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