Transformar esperança em algo além do sonho, no
entanto, demanda disposição física e força de vontade para atravessar as
barreiras impostas na aridez da caatinga. Chegar é a primeira delas. A
partir de Juazeiro, via BA-210, são 100 quilômetros de asfalto, outros
50 de terra e mais oito em estrada coberta de cascalho e de um material
semelhante ao caulim, que mais parece talco e é encontrado em todos os
acessos para a mina da Quixaba, situada na borda sul do Lago de
Sobradinho.
Quando os veículos passam pelo último trecho, deixam
no ar uma névoa que invade os pulmões de quem se arrisca a encará-la a
pé ou de moto sem máscara. E são milhares os que enfrentam diariamente a
peregrinação iniciada em 18 de abril. Naquele dia, um caçador da região
se deparou acidentalmente com a jazida de ametistas no topo dos
Brejinhos, parte do conjunto de serras que se entende por mais da metade
do município de Sento Sé, terceiro maior da Bahia em extensão
territorial.
Dali em diante, aproximadamente sete mil pessoas se
deslocaram para o novo garimpo, segundo estimativas da prefeitura de
Sento Sé. Parte chega ao nascer do sol e vai embora assim que finda a
tarde. O restante ou dorme junto aos “serviços”, como são chamados os
buracos, ou se espreme em tendas improvisadas de lona e troncos de
árvores derrubadas em volta dos dois acampamentos que servem de base
para a mina e de estacionamento para veículos que transportam
trabalhadores, negociantes de pedras e mantimentos.
Na odisseia da ametista, há garimpeiros de todas as
regiões do Brasil. A maioria, de centros com tradição no comércio de
pedras preciosas como esmeralda, rutilo, águas-marinhas, turmalinas,
topázios e dezenas de gemas com alto valor no mercado de joias. Caso dos
municípios baianos de Campo Formoso, Pindobaçu, Caetité, Jussara e Novo
Horizonte. Além, é claro, da própria Sento Sé, que enfrenta a maior
crise econômica de sua história recente.
Forasteiros
Lado a lado estão caravanas de mineiros de Teófilo Otoni e Governador Valadares, igualmente numerosos na Quixaba. Goiás, Pará, Paraíba, São Paulo, Paraná, Ceará, Rio de Janeiro e Pernambuco também estão entre os estados mais encontrados nas placas dos carros, picapes e motocicletas que lotam o pé da serra, ponto de partida para alcançar o topo da mina. Antes, é preciso vencer 1.250 metros de subida íngreme, entrecortada por blocos de pedras que se soltam no movimento das ferramentas usadas nas escavações – picaretas, pás, enxadas, marretas, ponteiras, martelos e alavancas.
Lado a lado estão caravanas de mineiros de Teófilo Otoni e Governador Valadares, igualmente numerosos na Quixaba. Goiás, Pará, Paraíba, São Paulo, Paraná, Ceará, Rio de Janeiro e Pernambuco também estão entre os estados mais encontrados nas placas dos carros, picapes e motocicletas que lotam o pé da serra, ponto de partida para alcançar o topo da mina. Antes, é preciso vencer 1.250 metros de subida íngreme, entrecortada por blocos de pedras que se soltam no movimento das ferramentas usadas nas escavações – picaretas, pás, enxadas, marretas, ponteiras, martelos e alavancas.
Os serviços começam a aparecer logo nos primeiros
metros, junto ao formigueiro humano que sobe e desce sem parar em busca
da pedra, sob um calor que ultrapassa facilmente os 40 graus. Aos 33
anos, João Reis, faz parte dos que encontraram a parte mais alta da
escarpa já ocupada. O jeito foi tentar a sorte onde dava. “A realidade é
que tem pedra aqui, muita, mas não dá para todo mundo. O negócio é se
esforçar, não desistir”, afirma Reis, que chegou na terça-feira passada,
depois de uma temporada de seis meses na Serra da Carnaúba, em
Pindobaçu, conhecida como a Cidade das Esmeraldas.
Pouco acima, enfiado em uma cova de oito metros de
profundidade, Genildo dos Santos, 45, trabalha sem parar na caçada por
um veio de ametista, depois de uma aventura que começou no último dia
12, quando partiu do Rio de Janeiro para Sento Sé a bordo de uma
motocicleta de 150 cilindradas. “O negócio tá andando. Já deu para tirar
um dinheiro bom. Só que é dividido pra cinco”, diz, enquanto aponta
para os quatro colegas, todos iniciantes, que dão suporte para o
trabalho de Genildo, único garimpeiro profissional do grupo.
Nos serviços da mina, os auxiliares têm como tarefa
puxar baldes de material retirado dos buracos, em geral, com até dois
metros de diâmetro. Marretar pedras, transportar ferramentas, buscar
comida nos acampamentos, cozinhar em fogueiras feitas com galhos e
vigiar buracos também fazem parte da rotina de quem não lida diretamente
com a extração de ametista.
Garimpeiras
As mulheres, que formam um contingente numeroso na Serra dos Brejinhos, são escaladas para funções que exigem concentração e paciência. A mais comum é quijilar – no jargão do garimpo, ato de separar pedras de valor da montoeira de entulhos. “Mas a gente cava, tira terra, cuida do barraco, vai lá embaixo comprar o que comer”, acrescenta Cristina Viera de Jesus.
As mulheres, que formam um contingente numeroso na Serra dos Brejinhos, são escaladas para funções que exigem concentração e paciência. A mais comum é quijilar – no jargão do garimpo, ato de separar pedras de valor da montoeira de entulhos. “Mas a gente cava, tira terra, cuida do barraco, vai lá embaixo comprar o que comer”, acrescenta Cristina Viera de Jesus.
Junto com as amigas Lucilene Oliveira da Silva e
Nilza Soares, Cristina trocou a esmeralda de Campo Formoso pela aventura
na Quixaba. “A vida é dura aqui, mas Deus há de compensar. Tenho fé de
que a gente vai achar um bom corte de ametista para melhorar de
condição, comprar uma casinha mais aprumada”, emenda, com os olhos
grudados no Velho Chico que se avista do topo da mina regada pelo suor
da espera.
Galego, um pinguço que virou herói
Há duas versões para a descoberta da jazida de
ametista que alimenta sonhos de riqueza. Em todas elas, o personagem
central é um morador de Sento Sé que perambulava pelos botecos da cidade
em busca de alguém para lhe pagar bebida ou vender fiado. Antes tratado
como pinguço indesejado, Galego de Edvaldo, também conhecido como
Burrão, virou um tipo de herói entre os moradores pobres da cidade.
Segundo a versão mais corrente, Galego tinha como
hábito caçar na Serra dos Brejinhos, prática comum na região, embora
ilegal. Na manhã de 18 de abril, ele e um amigo, de prenome Valdeno,
perseguiam um tatu, quando o bicho se enfiou no buraco.
Na tentativa de desentocar a presa, acabaram se
deparando com o veio de ametista. Filho de ex-garimpeiro, Galego
reconheceu o tesouro escondido sob a superfície rochosa. De imediato,
começou a retirar os primeiros lotes com o pai, Evaldo dos Santos, e o
amigo Valdeno. Tudo em silêncio, dizem os narradores do “causo”.
Dias depois, teria pedido bebida fiado em uma
bodega, mas o dono recusou, alegando que ele nunca pagava. Foi então que
Galego tirou um saco cheio de pedras para mostrar que, agora, teria
condições de honrar a palavra. A notícia correu a cidade feito o tatu
com medo dos caçadores. Em pouco tempo, já havia alcançado as praças
tradicionais do garimpo.
Em conversa com o CORREIO no topo da serra, onde foi
aberto o primeiro serviço de extração de ametista, Galego tem outra
versão, na qual o tatu não faz parte. Nem de caçar gosta, ressalta,
embora o lombo de catitu estendido para a salga na cabana dele deixe
dúvidas. O herói de Sento Sé atribui a descoberta a Deus.
“Pedia que Ele desse um sinal e mostrasse pra mim um
jeito de ajudar meus irmãos que passam fome e não têm dinheiro pra
comer. Deus me deu essa luz e pude dividir a riqueza que está aqui com
todos eles”, afirma Galego. Mas por lá pouco importa a versão
verdadeira. Como diz José Lino de Oliveira, o Zé Macambira,
ex-garimpeiro de 79 anos que virou vendedor de pedras, “O Senhor tinha
algum plano através dele. Galego está salvando a vida de muita gente”.
Fonte: Jairo Costa Júnior/Correio24Horas
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